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31.12.06

Brasil x Argentina

Depois de ver e de ficar encantado com as qualidades de “O Filho da Noiva”, me lembrei de um artigo de Jean-Claude Bernardet, publicado na Revista de Cinema, intitulado “Os argentinos dão um banho nos brasileiros”. O autor cita que o cinema atual do país vizinho tem uma “produção média viva e inteligente”. Da produção média eu não posso falar porque não vejo muita coisa, mas que é difícil encontrar um filme brasileiro à altura de O filho da Noiva, isso é.
Diz Jean-Claude: “Não há necessidade de longas explicações para justificar as ações dos personagens. Breves anotações, como a expressão facial de um personagem, permitem acompanhar fluentemente a ação, compreender, e se emocionar com o quadro afetivo dos personagens e as relações entre eles, sem demora”. Ele está falando de “Esperando o Messias”, mas poderia estar se referindo a “O Filho da Noiva”, ou a “Uma Noite com Sabrina Love”... Nesses filmes, mesmo os personagens menores, que não aparecem mais do que em duas ou três cenas, têm luz própria. Um gesto, uma expressão e você já compreende as motivações, os problemas e a personalidade desses personagens. Tomando emprestado uma frase do argentino Julio Cortazar, são filmes que têm a misteriosa propriedade de irradiar algo para além de si mesmos.
Eu não sinto isso em "Nove Rainhas", onde a ênfase numa reviravolta mirabolante tira o sabor da verossimilhança de seus personagens.
Pelo pouco que conheço da produção dos argentinos, de hoje e de ontem, não me arrisco a dizer se eles são melhores ou piores do que nós. Mas o fato é que as cinematografias são visivelmente diferentes, já que as culturas são tão diferentes. Pra mim, isso se dá por duas questões principais: a tradição e as escolhas que resultam dessa tradição.
O Brasil é África, música, carnaval. A Argentina é um país de leitores, de grandes literatos, europeizado. Já ouviram falar que Buenos Aires tem mais livrarias do que no Brasil inteiro? Pois é.
O cinema brasileiro moderno, de “Rio 40 graus” pra cá, é um cinema que preocupado com o Brasil, que quer entender que povo é esse, que se volta e revolta para sua história, que tem urgência de questionar a dependência e o subdesenvolvimento. Essa matriz se enfraquece a partir dos anos 80, mesmo assim o fantasma Glauber Rocha, para o bem e para o mal, continua bem vivo.
Já o argentino, parece-me, é mais centrado no ser humano. Nesse sentido, eles fazem filmes ao mesmo tempo egoístas e universais. É um cinema mais ligado à literatura, enquanto nosso cinema preferiu se casar com as ciências sociais.

19.12.06

Em Volver, amor só de mãe

Volver não é um roteiro original. Tudo bem que Almodóvar sempre gostou de repetir temáticas e jogos estéticos, mas dessa vez ele se superou. Esse novo filme não passa de uma colagem de citações a obras anteriores e uma oportunidade do diretor voltar a temas que lhe são caros. Não é a toa que o filme se chama Volver (voltar)...
Os planos com espelhos são marca registrada do diretor - quem não lembra de Ata-me?. Relações complicadas entre mãe e filha já foram vistas em Maus Hábitos e De Salto Alto. Neste, aliás, há uma cena em que a personagem de Victoria Abril, quando criança, ficava observando os pés das pessoas pela janela de seu quarto (achou estranho? Veja o filme). Em Volver, é a personagem de Carmem Maura, mãe da protagonista, que durante parte da história só consegue ver os pés da sua filha, já que tem que ficar escondida embaixo da cama. Falar das viagens de carro pela Espanha que os personagens fazem, nem vale. Em mais da metade de seus filmes isso ocorre. A relação entre fenômenos da natureza (no caso de Volver, o “vento leste”) e o comportamento dos personagens, Almodóvar já lançara mão no ótimo Matador, quando o clímax da história acontece paralelamente a um eclipse.
Talvez o que distinga Volver do resto da carreira de Almodóvar seja a quase total ausência de homens na história. É um filme sobre mulheres. Almodóvar faz um elogio a valores como amizade e solidariedade femininas e amor materno.
O filme só não é um episódio dos ursinhos carinhosos porque há incesto e uma personagem aparece fumando um baseado. O Almodóvar ácido e nonsense já vai longe. Verdade seja dita: ele fez obras-primas nos anos 90 e 2000, mas eu não sou fã de seus dois últimos trabalhos. Eu considero Almodóvar melhor roteirista que diretor. Ele é um dos melhores autores do mundo. Má Educação, porém, é quase um remake de “A lei do desejo”. E Volver é o auge do Almodóvar de coração mole. Ou ele quer a redenção de seus pecados e a salvação de sua alma, ou ganhar o Oscar de novo. Ou tudo isso junto.


Há seis anos, exatamente em 26 de novembro de 2000, eu escrevi o meu primeiro texto sobre cinema. Também foi sobre um filme de Almodóvar. E também eu comparei filmes dele entre si – no caso Carne Trêmula e Ata-me. Percebam como nesses seis anos eu melhorei como autocrítico de cinema. :)

Quem gostou de Ata-me vai gostar de Carne Trêmula. São muitas as semelhanças entre os dois filmes: um cara bonitão que se apaixona por uma mulher gostosa, que a princípio não quer nada com ele, mas termina cedendo. Até o ator principal é a cara de Antonio Banderas.
Como pano de fundo, o diretor aborda os anos difíceis da ditadura Franco. Aliás, rola uma ironia sobre isso no fim. Happy End, diga-se passagem, bem previsível
Não sei por quê o filme teve censura de 18 anos. Eu confesso que esse foi um dos motivos que me fizeram ver o filme. Vai ver a intenção era justamente atrair os incautos em busca de cenas picantes. Mas não há cenas de sexo explícito. No máximo dá pra ver uns peitos e um pinto, assim meio de longe e rapidamente. Enfim, é um filme bonito, mas se seu negócio é putaria, vá ver outra coisa.


Depois eu escrevo sobre o FestAruanda.
Ou não.