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30.12.09

+ pilulas

MILK
Sean Penn e Gus Van Sant na melhor forma. Só podia ser um pouco menos longo.

(500) DIAS COM ELA
Bela comédia que inverte os papeis tradicionalmente aplicados ao homem e a mulher na forma de encarar os relacionamentos. Roteiro inteligente, que conta inclusive com divertidas paródias de gêneros. Um final mais amargo do protagonista provavelmente faria o filme deixar de arrecadar alguns milhões, mas me agradaria deveras. Não quer ser realista e passar a ideia de que se a pessoa amada não te quer, a vida continua? Então sejamos coerentes.

ATIVIDADE PARANORMAL
Tem alguns acertos, lá pelo meio do filme você quase começa a gostar, a atriz é boa, mas confia demais na ingenuidade e benevolência do espectador pra embarcar na verossimilhança da coisa. Falso vídeo amador com cortes e enquadramentos de profissional não dá. Mas o pior vem no final: em uma palavra, rídículo.

P.S. E ainda peguei uma sessão (adivinha, no Tambiá) em que as pessoas conversavam como se estivessem na sala de casa, na sua ou na da sogra. Highlights: dois emos comentando ALTO o filme todo e uma mulher que se arrependeu de estar ali quando descobriu que o filme era legendado.

12.12.09

BUDAPESTE

Antes de falar de Budapeste quero deixar logo claro que não li o livro de Chico Buarque ao escrever essas mal-traçadas linhas.

Então vamos lá. O filme é uma boa propaganda do romance. Pelos off do protagonista – o ghostwriter José Costa - a narrativa parece ter muita força pelas experiências que o autor faz com a palavra, o que evidentemente não pode ser alcançado em outro suporte. Walter Carvalho tenta compensar utilizando o que o cinema tem a ser favor, ou seja, as imagens.

Assim, sabiamente o roteiro inclui sequências visuais bastante sugestivas e autossuficientes. São os casos, por exemplo, das cenas que mostram uma gigantesca estátua de Lênin desmontada, sendo levada em um barco por um Danúbio nada azul, e do "Monumento ao escritor desconhecido", uma figura sombria, que lembra a Morte (além de um misterioso personagem do filme), localizada numa praça da capital húngara. Diga-se de passagem, parece que Chico não sabia da existência dessa estátua quando pariu o livro.

O longa tem sequências bonitas, de fato, mas sofre pra manter a pegada. São 100 minutos que duram uns 150. Fotógrafo de origem, Walter Carvalho consegue mostrar alguma desenvoltura dramatúrgica. O problema é mais de casting. Giovanna Antonelli tem naturalmente algo que cansa e Leonardo Medeiros apenas não faz feio. Já o segundo escalão do elenco parece um bando de amadores, no pior sentido. A atriz húngara é linda, mas fraquinha, fraquinha. Podia ter umas aulas com os pirralhos que fazem o filho dela, em idades diferentes.

Aliás, não sei se isso ocorre no romance – espero que não – Kryska parece ser um mero artifício para manter José Costa em solo húngaro na maior parte da história. A personagem não convence.

É PROIBIDO FUMAR

Fez o rapa em Brasília e andaram dizendo que representa uma evolução em relação a Durval Discos, longa anterior da diretora, Anna Muylaert.

Bom, pra mim "Durval" é que é obra-prima e "É proibido", apenas um bom filme. Divertido, um roteiro acima da média e um Paulo Miklos – esse sim - impressionante.

Glória Pires claramente tá ali só pra atrair financiamento (na fase de produção) e bilheteria (na distribuição). A sensação é a de que a personagem (riquíssima) merecia outra intérprete.

Outro acerto, assim como ocorreu em Durval, é a trilha sonora – excelente, com Jorge bem do começo ao fim.

14.11.09

O teórico húngaro Ference Fehér é o autor de "O romance está morrendo?".

Não estranhe o título apocalíptico, ele não está sozinho.

Muita gente diz que o romance é um gênero superado, moldado em Cervantes, aprimorado entre as revoluções industriais e esgotado em Joyce e Kafka.

Na minha humilíssima opinião, dizer que o romance já deu o que tinha que dar é tão descabido quanto afirmar que a História acabou junto com o Muro de Berlim.

Porém, eu já acho que o conto envelheceu melhor que seu primo maior. Por mais incensados que sejam os contos de Machado de Assis, Lima Barreto, Poe, etc., eu sinto muito mais prazer nas experiências mais modernas de Cortázar, Rubem Fonseca e vários outros.

Aqueles mestres deram o pontapé inicial, mas o conto progrediu muito e soube, sim, se adaptar melhor que o romance, o qual tem como habitat natural a sociedade burguesa do século XIX (nisso concordam 100% dos críticos). E de fato, eu não conheço nenhum romance recente que sirva pra amarrar os sapatos de Dom Casmurro.

7.11.09




"Felicidade é pouco, o que eu desejo ainda não tem nome." A frase atribuída a Clarice Lispector pode ser vista em perfis de Orkut de um monte de adolescentes e algumas moças mais maduras.

Agora tente imaginar, quantas, entre elas, já pegaram em algum livro de Clarice na vida.

Algumas até tentam. Minha sobrinha, por exemplo, pediu pra eu pegar pra ela algum romance dela na biblioteca. Peguei. E, segundo ela própria, não conseguiu ler nem dez páginas.

Rafaela, assim como todo adolescente, está acostumado com Stephenie Meyer e sua prosa afiada - no que se refere aos dentes dos personagens. Tudo bem, melhor que nada. Mas são livros (imagino) com histórias de amor, bastante ação, e que vão direto ao ponto, sem perder tempo com arrodeios.

Aí a pobre vê a fama que Clarice Lispector tem entre internautas posers e pensa: - opa, isso deve ser bom. Sem imaginar que a autora não é nada fácil. Sua narrativa jamais vai direto ao ponto, e a graça está não nos fatos, mas nos arrodeios. Pra ser mais técnico, nas descrições poéticas. São dezenas de páginas de um delicioso porém assustador rame-rame. Há que ter paciência e, vá lá, algum chão como leitor.

Clarice se tornou cult, em grande parte, justamente por ser difícil. Passar a ideia de que se gosta de uma escritora hermética dá status.

Em tempo: peguei o enjeitado A maçã no escuro e é bom.

15.7.09

Em um clima de romantismo fantástico, o narrador do romance de André Breton percorre as ruas de Paris, como se fosse um mundo prestes a desaparecer, e se encontra com uma misteriosa jovem, Nadja. A certa altura, esta telefona para o narrador, que não está; a pessoa que atende lhe pergunta como ela pode ser encontrada; Nadja responde que ninguém a encontra.

Este é o resumo que se encontra na orelha de Nadja (Ed. Guanabara, 1987), de André Breton. Assim como a maioria das vanguardas do início do século passado, o Surrealismo rendeu mais manifestos do que obras, o que faria com que o romance publicado em 1928 se tornasse famoso pelo simples fato de ser uma obra declaradamente surrealista.

Experimental, o autor se confunde com narrador, faz de amigos seus personagens e o leitor não sabe até onde vai a realidade e começa o devaneio. Ficção e reflexões de cunho ensaístico e existenciais se misturam - psicanálise e fluxo de pensamento estavam na moda.

Um recurso interessante é a ausência intencional de descrições, que, como o autor explica no prefácio à uma reedição do livro de 1964, são substituídas por fotografias. Neste ponto é visível o caráter panfletário da obra, no sentido de que ela exprime uma necessidade das idéias contidas no Manifesto Surrealista de 1924 (redigido pelo próprio Breton) se concretizarem.

Na verborragia e humor afiado desse extenso manifesto, sobra até pra Dostoievski. A seguir, um trecho do livro, onde, ironicamente, Breton descreve Nantes:

Nantes: talvez seja, com Paris, a única cidade da França onde tenho a impressão de que me pode acontecer alguma coisa que valha, onde certos olhares queimam por seu próprio excesso de fogo (voltei a constatá-lo o ano passado, quando atravessava Nantes de automóvel e vi uma mulher, uma operária, creio, acompanhando um homem, e que ergueu para mim uns olhos que tive de parar), onde para mim a cadência da vida não é a mesma que em outros lugares, onde um espírito de aventura além de todas as aventuras habita ainda em certos seres(...)

23.5.09



Vinicius de oliveira (foto), o garotinho de Central do Brasil, andava sumido. Carismático, mas limitado, ele até tentou fazer novela na época mas não deu muito certo.

Agora eis que Walter Salles faz uma caridade e o convida pra Linha de Passe. E é uma escolha feliz, porque o papel não exige muito. Basicamente, o que o rapaz faz é cara de sofrimento. Toda a frustração de anos de desemprego (do ator) passa para o personagem, um aspirante a jogador de futebol que vai envelhecendo sem conseguir vingar.

Mas quando Vinícius abre a boca, a vergonha alheia entra em cena. Sabendo disso ou não, os roteiristas lhe deram poucas falas.

Já Sandra Corveloni está bem, mas apenas, com o perdão do trocadilho, cumpre seu papel. Nada que mereça Cannes.

Se Salles topou dirigir o chatíssimo Água Negra pra sentir o que é filmar em Hollywood, parece que ele fez Linha de Passe pra entrar pra essa turma que anda filmando na periferia. Embora não trate diretamente de violência, como Cidade de Deus ou Tropa de Elite, há a famosa questão social e um roteiro modernoso, intercalando a vida dos membros da família.

O que é convincente são as cenas de futebol. Nunca tinha visto partidas tão bem emuladas, e o clássico (real) entre São Paulo e Corinthians rende belas imagens na abertura do filme. Mas no geral esse é o trabalho mais dispensável do diretor. Depois de Água Negra, claro.

15.5.09

Noel Rosa não conheceu Maria da Penha

Hoje estava ouvindo "Mulher indigesta" no ônibus e lembrei deste livro, que nunca li, mas me parece assaz interessante e aborda, entre outras reflexões, a forma como a mulher é retratada na história da canção brasileira.

A letra de Noel é de uma misoginia exemplar. Vejam que pérola:

Mas que mulher indigesta!(Indigesta!)
Merece um tijolo na testa
Essa mulher não namora
Também não deixa mais ninguém namorar
É um bom center-half pra marcar
Pois não deixa a linha chutar
E quando se manifesta
O que merece é entrar no açoite
Ela é mais indigesta do que prato
De salada de pepino à meia-noite
Essa mulher é ladina
Toma dinheiro, é até chantagista
Arrancou-me três dentes de platina
E foi logo vender no dentista

5.4.09

Musíca Deprê Brasileira

Dizia Vinícius que fazer samba não é contar piada. Sabemos que não é bem assim. Bezerra e Moreira da Silva estão, quer dizer, estavam aí pra provar.
Mas o ritmo que é logo associado a cerveja, feijoada e mulatas também tem seus momentos, digamos, blue.

Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor, pedia Nelson Cavaquinho.

A dor-de-cotovelo também foi cantada por Lupicínio Rodrigues:

Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
E por ele quase morrer
E depois encontrá-lo em um braço
Que nenhum pedaço do meu pode ser


Já em Paulinho da Viola (que por sinal gravou "Nervos de aço") é difícil achar uma letra que não fale em (des)ilusão, (des)engano e afins. É o caso da bela "Dança da solidão", que ficou mais conhecida na voz de Marisa Monte.
Uma que gosto muito é "Coisas do mundo, minha nêga". O eu-lírico é uma espécie de flaneur que interage com as pessoas e as situações por meio de sua viola e seus sambas, até que se depara com um homicídio:

Parei, olhei, fui-me embora
Ninguem compreenderia um samba naquela hora


Esse último verso é uma espécie de alfinetada em quem acredita que o samba só pode falar de alegria.
O compositor aqui-e-acolá gosta de associar música/instrumento a sentimento, como em "Guardei minha viola":

Minha viola vai pro fundo do baú
Não haverá mais ilusão


Não é à toa que Paulinho é da Viola.

Agora triste mesmo é "O mar", de Caymmi (Não confundir com "É doce morrer no mar", uma variação sobre o mesma tema). Com o violãozinho arrastado e a voz lamentosa do finado, é impossível não se sensibilizar com o caso do pescador jovem e bonito que saiu pra lida e não voltou, deixando a pobre viúva literalmente doida de saudades.
É bonito demais.