Dom, Maria, Mãe do filho de Deus, Trair e Coçar... Moacyr Góes é certamente um dos cineastas que mais tem trabalhado no Brasil e um dos mais vistos. Mesmo assim, nunca ouvimos falar dele. Por quê?
Góes é aquele diretor que não tem um estilo, projetos próprios, mas um certo talento, uma polivalência, uma vocação para fazer qualquer coisa com eficiência e sem grandes aspirações artísticas. Atualmente está em cartaz com O Homem que Desafiou o Diabo. Não li o que se escreveu sobre o filme, mas se algum desavisado esperava ver cinema-como-arte, vai se decepcionar.
É um filme que tem como meta fazer rir (e consegue), conseguindo no meio do caminho alguns outros méritos: a direção de arte que remete ao hiperbólico universo do cordel, ou o elenco razoavelmente bem equilibrado. O naturalismo passa longe, mas o tom teatral dos atores não prejudica em nada o filme, pelo contrário. O sotaque também não dói nos ouvidos. Não senti os atores forçando a barra, como vimos não apenas na TV como inclusive em filmes recentes como A Máquina.
Pode-se criticar a falta de ambição estética, o conservadorismo dos enquadramentos, mas como entretenimento não há como dizer que o filme não é bem sucedido. Essa pornochanchada despretensiosa e divertida certamente vai ser muito reprisada na Globo e sua bilheteria está sendo prejudicada visivelmente pelo fenômeno Tropa de Elite. Mesmo assim, a sessão que eu fui tava cheinha.
Se Moacyr Góes não tem uma "marca", Ricardo Elias é exatamente o oposto. Os 12 trabalhos é o segundo longa do cineasta paulista. Mais do mesmo: em muitos aspectos os 12 trabalhos lembra o primeiro, De Passagem. O foco é sempre o preconceito social e racial em São Paulo. Os filmes do diretor são painéis geográficos e sociais da metróple, sem o tom caricatural com que normalmente são representados os moradores de favelas no cinema.
Em De Passagem, temos um ex-morador da periferia que, ao se tornar policial, não se sente mais à vontade entre seus pares. Em os 12 trabalhos, Elias nos apresenta a rotina do motoboy, personagem que se tornou figura onipresente na paisagem da cidade, e o quão infernal pode ser sua vida, principalmente quando se é negro, favelado e ex-interno da Febem...
O cineasta filma a vida em trânsito. Em De Passagem, mais da metade do filme se passa dentro ou em estações de metrô e ônibus. Em Os 12 Trabalhos, o protagonista Eracles nos leva pra passear por São Paulo na garupa de sua moto. Não a São Paulo do Parque do Ibirapuera ou Avenida Paulista; mas uma cidade estressante, onde a correria, a pressa, a convivência forçada entre as classes sociais escancara e atiça os preconceitos e todos acabam perdendo.
Ambos os filmes se baseiam em apenas um dia na vida dos protagonistas. Um dia é o suficiente pra mudar sua vida completamente. Ou não. No início de Os 12 Trabalhos, Eracles diz que "dependendo de onde você nasceu, já é. Sua vida já tá escrita". Para quem nasce na favela, como ele, ou você se torna policial, ou bandido, ou motoboy, ou camelô. Em uma cena divertida do filme, os colegas de trabalho de Eracles invejam o sucesso de um... vendedor de cachorro-quente: é o auge de suas pretensões.
31.10.07
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