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29.8.07

Tenho dado sorte com os últimos filmes nacionais que vi. Literalmente, é um melhor do que o outro, já que, se "Cabra-Cega" é bom, "O Cheiro do Ralo" é divertidíssimo e "Cão sem dono" é um filmaço.
Bom, já que de "Cabra-Cega" eu falei anteriormente, passemos aos dois últimos.

"O Cheiro do Ralo" é um filme que custou 300 mil reais, uma quantia absurdamente baixa. Tem curta por aí que se gasta metade disso. "Cidade de Deus", para se ter uma idéia, consumiu 10 milhões. Muitas vezes o diretor ou alguém da produção, pra justificar alguma deficiência, reclama que faltou dinheiro pra fazer como queria (e algumas vezes isso é verdade). Mas há quem saiba driblar essas carências com maestria. Já falei aqui que "Ilha das Flores" foi feito com algo em torno de 12 mil reais. E é considerado por muita gente o melhor curta brasileiro de todos os tempos.
Porém em o "Cheiro do Ralo" Heitor Dhalia e sua equipe não podem reclamar de falta de dinheiro. Ele também não teve que usar a criatividade pra compensar um orçamento curto. Simplesmente o filme não precisa. Tive a sensação que ali nada sobra e nada falta. O longa é simplesmente uma boa história e um elenco inspirado. Precisa mais?
É incrível como Selton Mello ainda consegue surpreender. Aqui ele compõe um personagem absolutamente diferente de tudo o que já fez. Por mais que estejamos acostumados em vê-lo nas telas de diferentes tamanhos, sua persona não fica saturada.
Outro detalhe que chama atenção é que o "Cheiro" consegue passar ao largo de tudo o que o cinema brasileiro tem procurado abordar ultimamente (ou desde sempre), como violência urbana, personagens marginais, regionalismo ou crítica social seja qual for o naipe. É uma adaptação, mas ao invés de optar por um nome consagrado, como Daniel Filho faz agora com Eça de Queiroz, ou como o Próprio Dhalia fez anteriormente transpondo "Crime e Castigo" para a tela, o cineasta pernambucano se inspirou no romance homônimo de Lourenço Mutarelli, que também é quadrinista e com quem o diretor já trabalhara em "Nina".
O filme é intencionalmente universal. Há poucas referências de lugar e espaço. Uma delas é quando o protagonista passa caminhando em frente à fachada do estádio do Juventus, na Móoca. Podia ser o Pacaembu, o Morumbi, mas não; é a sede do "moleque travesso" da Rua Bariri. Isso te diz alguma coisa?

"Cão sem dono" também é uma história essencialmente universal. E também adaptado de um escritor da nova geração, Daniel Galera.
Nem parece que é um filme de Beto Brant. Não há um elogio ao banditismo romântico como em "Os matadores"; a crítica à classe média de "O Invasor" ou uma reflexão em torno de um "grande tema", como o desejo de vingança presente em "Ação entre amigos". O filme, ainda bem, não é policial. O horizonte temático é sabiamente modesto. O número de personagens é reduzido e é torcer para que os atores (todos desconhecidos) se garantam. E eles sobram. O naturalismo que era apenas pretensioso nos outros filmes de Brant aqui dá gosto de ver. Os personagens parecem estar transando quando transam, parecem estar chapados quando fumam, parecem bêbados quando bebem; a família parece uma família e ninguém venha me dizer que aquele porteiro não é de fato um porteiro que eu vou dizer que é mentira... E tudo temperado com saborosos diálogos ao molho Tarantino.

18.8.07

Thiago é um militante ferido em combate com a polícia que é escondido em um apartamento de um colega. Ali se passará uns 80% das cenas de Cabra-Cega, o que dá um boa idéia do que o isolamento, agravado pelo medo de ser descoberto e pela desconfiança em relação aos seus pares, pode fazer à cabeça do sujeito. Nesse ambiente claustrofóbico Thiago, vivido pelo bom Leonardo Medeiros, também travará amizade (ou um pouco mais do que isso) com Rosa, militante designada para cuidar dele, e com a vizinha espanhola que perdera um filho na guerra civil de seu país.
Dona Nenê, por sinal, é um personagem secundário interessantíssimo. A ternura dela para com Thiago, causada um tanto pela solidão de viúva recente e outro pela lembrança do filho morto, também um revolucionário, vence a credulidade de Thiago, dono de um coração enrijecido pela luta política. Aliás, em certo momento ele confessa a Rosa: “na economia só tinha homem, em Cuba também, acho que perdi o jeito (com mulheres)”.
Em relação à guerrilheira que, ao contrário do protagonista, não conseguiu escapar à prisão, o roteiro tem furos. Sabe-se apenas que ela foi torturada e depois reaparece com os guerrilheiros: ela não os entregou. O.K., mas os milicos soltaram ela na boa? Ela fugiu? Foi libertada como resgate? E que relação ela tinha com o protagonista? Só companheira? Namorada? Esposa? Não sabemos. Pela relativa importância que possui na trama, são questões que merecem respostas.
Também são discutíveis o previsível encaminhamento da relação entre Thiago e Rosa, que apesar dos temperamentos opostos, da rudeza dele e tudo o mais, é de imaginar que eles vão terminar tendo um caso: o que acontece de fato; assim como a forçada tentativa de levar o espectador a achar que Pedro, o dono do apartamento, traiu Thiago e os outros membros do grupo: o que não acontece - propiciando um final harmonioso e “imprevisível”.
Mas talvez eu esteja sendo exigente demais, e até com um pouco de má fé. A verdade é que o longa de Toni Venturi conseguiu me emocionar, ajudado pela excelente trilha sonora (canções da época rearranjadas e interpretadas por Fernanda Porto).