No romance O Quinze, de Rachel de Queiroz, quando desconfia que seu "namorado" Vicente tem um relacionamento com a filha de um de seus subordinados na fazenda, vem à tona todo o racismo da protagonista Conceição, uma postura que macula
definitivamente, aos olhos do leitor de hoje, a imagem da heroína generosa, culta, cheia de “ideias”.
“Que julgara ter sido ela quem lhe acordara o interesse
arisco e desdenhoso do coração!...
‘Uma cabra, uma cunha à-toa, de cabelo pixaim e dente
podre!...”
“A avó levantou os olhos:
- Eu já tinha ouvido dizer... Tolice de rapaz!
A moça exaltou-se, torcendo nervosamente os cabelos num
coque no alto da cabeça:
- Tolice, não senhora! Então Mãe Nácia acha uma tolice um
moço branco andar se sujando com negras?
Dona Inácia sorriu, conciliadora:
- Mas, minha filha, isso acontece com todos... Homem branco,
no sertão – sempre saem essas histórias... Além disso não é uma negra; é uma
caboclinha clara...”
Tal reação da personagem serve para ilustrar uma questão que
tem sido polêmica nos últimos anos: como lidar com o racismo presente nos
clássicos da literatura, em especial os que são distribuídos pelo governo
federal nas bibliotecas públicas e entram no currículo da educação básica?
A meu ver, casos como este,ou o de Monteiro Lobato (que era mesmo racista, na vida "civil"),
devem ser trabalhados pelo professor em sala de aula, sim, ao invés de serem
censurados ou atenuados. É uma oportunidade rica de discutir com os alunos o
que mudou (ou não) no comportamento da sociedade desde então. Ignorar o fato pode
fortalecer e perpetuar o racismo. Já empurrar para debaixo do tapete, em nome
de um “politicamente incorreto” hipócrita, é um crime contra a arte e a História.
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