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27.4.17

De início, E agora, aonde vamos? parece ser só um filme divertido, leve, saudosista, despretensioso. Mas, quando você percebe, ele se torna pesado. É um filme político também, "empoderador", para usar um termo da moda, ao mostrar que a vida das mulheres é sofrerem por causa dos homens e impedirem que eles façam bobagens (como se matarem). Refletir sobre duas questões centrais no nosso e em todos os tempos, a guerra e a religião, pelo olhar feminino de Nadine Labaki, é o grande apelo do filme.

É problemático que, por exemplo, a visão de um povo de "alma guerreira" seja positiva em nossa sociedade. Somos educados a pensar que a guerra (as armas, de modo geral) só são usadas para se defender. Mas, como o filme é muito feliz em demonstrar, é muito fácil, se quisermos, encontrar inimigos e ameaças. Até o que poderia ser um problema técnico do longa, que são as cenas de brigas que não convencem, se justificam: pra que uma briga bonita num filme pacifista?

Já quanto à forma como o filme aborda a religião fiquei com um pezinho atrás. A impressão é de que o lado positivo dela é exacerbado. Tanto que, num filme que mete o pau nos homens, pintando-os o tempo todo de bobos, os sacerdotes são poupados. O filme fica meio gospel às vezes. Mas talvez isso seja o lado ateu falando.

A impressão de filme-tese é reforçada, a meu ver, pela escolha de um local indefinido para a história ("uma aldeia entre o céu e a terra"). E a tese é esta: só as mulheres podem nos libertar dessas coisas estúpidas que os homens inventaram e ainda sentem orgulho de ostentar: arma, guerra, violência, intolerância. A elas - as moças - toda honra e toda glória.

9.11.14

O romantismo na definição de Alfredo Bosi

“uma linguagem e [...]um estilo novo, que se manteve por quase trinta anos na esfera da história literária e sobreviveu, esgarçado e anêmico, até hoje, no mundo da subcultura e das letras provincianas.” 

18.9.14

Racismo clássico



No romance O Quinze, de Rachel de Queiroz, quando desconfia que seu "namorado" Vicente tem um relacionamento com a filha de um de seus subordinados na fazenda, vem à tona todo o racismo da protagonista Conceição, uma postura que macula definitivamente, aos olhos do leitor de hoje, a imagem da heroína generosa, culta, cheia de “ideias”.

“Que julgara ter sido ela quem lhe acordara o interesse arisco e desdenhoso do coração!...
‘Uma cabra, uma cunha à-toa, de cabelo pixaim e dente podre!...” 

(...)

“A avó levantou os olhos:
- Eu já tinha ouvido dizer... Tolice de rapaz!
A moça exaltou-se, torcendo nervosamente os cabelos num coque no alto da cabeça:
- Tolice, não senhora! Então Mãe Nácia acha uma tolice um moço branco andar se sujando com negras?
Dona Inácia sorriu, conciliadora:
- Mas, minha filha, isso acontece com todos... Homem branco, no sertão – sempre saem essas histórias... Além disso não é uma negra; é uma caboclinha clara...” 

Tal reação da personagem serve para ilustrar uma questão que tem sido polêmica nos últimos anos: como lidar com o racismo presente nos clássicos da literatura, em especial os que são distribuídos pelo governo federal nas bibliotecas públicas e entram no currículo da educação básica?

A meu ver, casos como este,ou o de Monteiro Lobato (que era mesmo racista, na vida "civil"), devem ser trabalhados pelo professor em sala de aula, sim, ao invés de serem censurados ou atenuados. É uma oportunidade rica de discutir com os alunos o que mudou (ou não) no comportamento da sociedade desde então. Ignorar o fato pode fortalecer e perpetuar o racismo. Já empurrar para debaixo do tapete, em nome de um “politicamente incorreto” hipócrita, é um crime contra a arte e a História. 



4.5.13

Muitos não sabem, mas o jovem Vinícius de Moraes atuou como crítico de cinema, quando vivia em Los Angeles, meca da sétima arte. Li em algum lugar que era sua (primeira) esposa Tati (oxítona) quem escrevia os textos e o marido assinava. Seja como for, o "poetinha" gostava muito de cinema.

O título de seu Cinepoema não é nem um pouco mentiroso. É poesia e cinema. Extremamente visual, com versos curtos a imitar planos rápidos, cortes secos, o peoma é um filme - com a única diferença que o diretor é você, pois os atores encenam dentro da sua cabeça, ao invés de numa tela.

O poema começa contemplativo e "nada acontece" até a metade da sexta estrofe, quando a calmaria é quebrada e o leitor não sabe direito o que acontece, como num bom suspense, a não ser que se trata de uma tragédia.

Cinepoema é um curtinha mudo e P&B. E por falar nisso, jogando com a polissemia de "preto" e "branco", também é noir.

23.5.12

J. Edgar usava suas informações privilegiadas para chantagear, aproveitando-se do zelo dos chantageados com suas imagens. Porém seu arquivo morreu com ele e e seus desafetos puderam manter suas reputações intactas (ou quase). Fora deste mundo, tornou-se inofensivo.

Clint Eastwood o biografa como um gay enrustido. E a verdade do cinema é a verdade do imaginário. J. Edgar era gay, para todos os efeitos. Sua imagem - que ironia! - está "manchada" para sempre. Feitiço contra o feiticeiro. A sutil justiça do cinema.

13.3.12

Tô lendo Agosto, de Rubem Fonseca, e dei uma olhada em trechos da adaptação para a TV (minissérie) que a Globo fez em meados dos anos 90. A série é "fiel" e bem feita, com um ritmo pausado que dificilmente seria aceito hoje em dia. No entanto, ainda deixa muito a desejar em profundidade em relação ao romance. Que é o que normalmente se diz de adaptações de livros para os meios audiovisuais em geral.

Mas parece que Almodóvar consegue superar isso. Não estou falando de adaptações, é que seus filmes lembram livros, no bom sentido (se é que há um mau). É um escritor que filma. Ou alguém duvida que Fale com Ela, por exemplo, não daria um belo livro?

Ele nos proporciona, com imagens, a sensação de que estamos lendo. Ao ver seus filmes não me divirto apenas, penso; não sou entretido, sinto. Ele me emociona sem apelar e sem abrir mão de discussões de altíssimo nível - estéticas (há muita metalinguagem no seu cinema) e filosóficas - Almodóvar consegue ousar passando ao largo de polêmicas; não perde o tom.

Marco, um dos protagonistas de Fale com Ela, sempre chora ao presenciar algo bonito por não poder compartilhar aquele momento com a ex-mulher. Quer algo mais anticlichê para falar de saudade? Almodóvar também escreve diálogos como poucos. E ele não tem pressa, apesar de ser muito lembrado pelo frenesi presente especialmente em seus primeiros filmes. Ele nos transforma em voyeurs de detalhes, como só alguém que gosta  muito de gente é capaz de fazer. Processos rotineiros são mostrados em seus mínimos detalhes e praticamente em tempo real - uma toureira se vestindo, enfermeiros fazendo a higiene da paciente em coma. Como nas descrições dos melhores romances realistas.

16.12.11

Raul - o início, o filme e o meio

Um músico que tocou com Raul declara: "Ele virou outra pessoa depois que ficou famoso. Começou a interpretar o personagem Raul Seixas, que criaram pra ele". Não foi com essas palavras, mas a ideia é essa.

O que Walter Carvalho e seus codiretores fazem no filme é botar os entrevistados para atuarem. Uma se joga na piscina, Paulo Coelho pratica tiro ao alvo. Atitudes que aparentemente nada tem a acrescentar sobre o personagem do longa. Mas a (grande) sacada é: "eu estou aqui para falar sobre Raul Seixas mas eu não sou uma mera fonte, sou um personagem."

Dos seus três documentários em longa-metragem de sua filmografia, "Janelas da Alma", "Moacyr- Arte Bruta" e agora "O início", apenas o segundo este paraibano que ficou grande demais para a direção de fotografia realizou sozinho. Não por coincidência, é o menos interessante deles. "Raul" é codirigido pelo experiente Evaldo Mocarzel. E a ficção "Cazuza", aquele com Daniel Oliveira, também é uma parceria, com Sandra Werneck.

Bom, como já ressaltei, o filme além de explorar muitíssimo bem o megacarismático roqueiro baiano, tem o mérito de fazer dos depoentes personagens. Destarte, surge no ecrã um Paulo Coelho como nunca visto na história do documentário brasileiro. Simpático, divertido. A ponto de ser aplaudido durante a sessão, no FestAruanda.

Talvez o único problema do filme seja o regabofe exagerado. É dado tempo e destaque excessivos a celebridades como Bial, Caetano e o supracitado mago. Se bem que a favor deste pesa o fato de ele ter sido parceiro do maluco beleza... Mas mesmo assim.

Ou talvez eu que esteja sendo cri cri. Afinal são duas horas de filme, que absolutamente voam.

Um dos melhores documentários brasileiros sobre música que já vi, sem dúvida alguma.

P.S. Li um comentário de um idiota no Youtube que diz: "Ah, seria melhor se fizessem um filme sobre ele em vez de um documentário (sic)". Não, meu chapa, não seria nem fodendo. Seria melhor, isso sim, se Walter tivesse realizado um documentário sobre Cazuza ao invés de uma ficção.